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Ser mulher com deficiência na universidade

Atualizado: 9 de fev. de 2021


Pôr do sol com tons fortes da cor amarela e laranja em uma orla. Ao fundo a ponte Rio-Niterói e algumas embarcações. Eu estou do lado direito da imagem como uma sombra assistindo o pôr do sol.
Pôr do sol com tons fortes da cor amarela e laranja em uma orla. Ao fundo a ponte Rio-Niterói e algumas embarcações. Eu estou do lado direito da imagem como uma sombra assistindo o pôr do sol.

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Texto de Gabriely Dutra

Por mais que eu esteja extremamente cansada de lutar, existe uma potência em mim que me faz vir aqui gritar mais uma vez: precisamos coletivizar os afetos da deficiência! Sabem o que é seu corpo ser ignorado e negado todos os dias dentro de uma universidade? Ser apenas um corpo sem história e atravessamentos para muitos dentro do espaço acadêmico, como se a deficiência fosse uma questão só minha? Sabem o que é não ser ouvida, mesmo que você grite muito alto, se esforçando muito para que a sua história, a sua singularidade seja uma questão de possibilidades dentro da relação? Pois é, eu passo por isso diariamente dentro da universidade, é uma violência tão forte que estou ultrapassando os limites do meu corpo para escrever toda essa violência!


Ser uma mulher com deficiência na universidade é sentir que você não pertence, é sentir um desconhecimento da própria identidade, é ter que fazer um balanceamento dentro das minhas próprias relações para sacar onde eu posso ser eu mesma na minha totalidade e onde eu tenho que fingir ser uma alma flutuante, sem história e sem afetos. Esse balanceamento me trouxe muita violência, fui atravessada pelo capacitismo só por tentar achar conforto nas relações para falar das minhas próprias questões, da minha história. Falar do que eu sinto, muitas vezes reforça ainda mais o capacitismo, eu não sou ouvida, sou violentada. Construir um espaço para ser aceita na minha totalidade me dói!


Tá, por que eu estou falando isso? Pois, no espaço acadêmico de deliberação contra o ensino remoto com discussões de que devemos promover inclusão a todas/os/es os alunos/as/es, a deficiência foi simplesmente localizada nas pessoas que foram tratadas como especialistas, fazendo com que a questão da deficiência fossem delegadas a elas ao invés de ser uma questão de todos/as/es e com o argumento de que os afetos da deficiência seriam assuntos a serem endereçadas às “colegas da acessibilidade”, como se fosse responsabilidade somente dessas pessoas se envolverem e não de todo o corpo institucional.


Essa situação me fez sentir novamente todas essas violências já ditas aqui justamente porque não me escutam! Estou sempre falando da importância de todos/as/es se afetarem com os afetos da deficiência, marcando sempre a questão de raça, classe e gênero para fazermos um movimento da deficiência também, mas a conscientização para produzir uma subjetividade na minha identidade, na minha singularidade não acontece. Falei no afeto mesmo, na reunião de departamento que aconteceu antes da pandemia, de que todas as pessoas podem e vão se tornar pessoas com deficiência pois ninguém vai ficar jovenzinho para sempre, mas não me escutaram. Falei também de toda a questão individualizante em relação a deficiência, que todos/as/es são corresponsáveis, mas não adiantou e isso aconteceu mais uma vez na assembleia. Muitos não querem se afetar com as questões da deficiência, nossos sentimentos são só nossos, é como se fossemos até um objeto qualquer.


Eu fico cansada, triste e estressada. Tem mais ou menos dois anos que luto para ser ouvida, para tentar garantir que algumas práticas acessibilizadoras para as pessoas com deficiência permaneçam e não temos nada de acessibilidade, nada. E questão de acessibilidade é um direito que nós temos, não é favor!. uma luta para além da acessibilidade ainda, existe um processo de subjetivação afetiva a ser construída na academia que é mais complicado. A maioria dos professores e professoras se acham donos da inteligência, como se não pudessem sair desse local de poder para aprender conosco. Caem numa negação de um conhecimento do tipo: "o que eu tinha que aprender eu já aprendi". Não conseguem abrir mão desse lugar para escutarem o que eu falei, tenho falado e o quê quem tá comigo fala também. É como se a deficiência não fosse responsabilidade de geral e portanto individualizam a questão na pessoa com deficiência e em quem se afeta com ela.


O que eu sinto é que por mais que isso me revolte e me canse. Eu jamais conseguiria deixar essa luta de lado. Já basta de me silenciarem! Defender o que eu sou, por mais que seja violento e desgastante, me possibilita em algumas relações ser eu na minha totalidade! Sou uma mulher com deficiência pobre! Afirmar isso, me traz uma libertação de um silenciamento que já vivi. Minha experiência com a deficiência foi muito solitária e marcar essa identidade me possibilita sair de um aprisionamento. E jamais quero voltar a esconder os meus afetos, por mais silenciados que sejam. Eu vou disputar esse lugar e em algum momento vão ter que me ouvir. Vou lutar para ser ouvida, e se eu não falar, todas essas questões que eu coloquei no texto não vão ser lidas ou ouvidas, mas sim apagadas… e isso me afetaria muito mais!! Ainda que em algumas relações a minha estratégia é não falar de tudo que me atravessa pelo capacitismo - por conta deste ser violento -, eu tento construir um vínculo em que seja possível fazer essas questões chegarem a essas pessoas por via da interdependência, por via do amor.


Eu passo por isso tudo. Mas não passo sozinha, tenho pessoas na própria universidade que estão se afetando e lutando comigo, é uma parceria bem pequena, dá pra contar nos dedos, mas são mais revolucionárias do que imaginam. É por conta dessas poucas pessoas que hoje, por mais violento que seja, eu continuo lutando. Elas me potencializam, me aceitam na minha totalidade. Por mais difícil que seja essa revolução subjetiva, que me trás tanta violência pelo fato de não reconhecerem que são capacitistas, ela se torna o caminho de possibilidades e de atravessamentos de que um dia poderá ser coletivo e não só minha e da rede onde tenho um conforto afetivo.


Na assembleia do instituto, frente a esse discurso individualizante dos afetos da deficiência, ocorreu que as pessoas que foram delegadas a essa função de "especialistas da deficiência" afirmaram de maneira contundente que a interdependência para as questões da deficiência não é uma questão retórica, é um fato e portanto precisamos nos afetar coletivamente de maneira prática com essas problemáticas, amplificando a discussão para todo o instituto. E acredito que será pela revolução subjetiva que os afetos da deficiência vão ser coletivizados dentro de um espaço em que a subjetividade é moralizante quando se trata dos afetos da deficiência.


Doer me dói, mas saber que não estou sozinha, que existe alguma possibilidade, me potencializa ainda mais a me afirmar como mulher com deficiência pobre para legitimar na produção de subjetividade a importância de coletivizar os afetos da deficiência. Me torno mais livre por saber que estou lutando por algo que promoverá uma conscientização afetiva para as práticas acessibilizadoras!


Por isso grito mais uma vez, se afetem com as questões da deficiência!

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