Foto: Fabiano Rocha (O Globo) - Reprodução da internet
Neste domingo, 7 de julho, fez um mês que o Estado derrubou as portas e arrancou de suas casas centenas de moradores do Prédio da Caixa, no número 327 da Avenida Amaral Peixoto, no Centro de Niterói. A interdição do imóvel resultou de decisão judicial cumprida pela Prefeitura com pesado aparato policial de mais de 100 homens. Segundo o Ministério Público, o despejo ocorreu por motivo de segurança, por suposto risco de incêndio e pela precariedade das instalações elétricas. A competência que a Prefeitura demonstrou nessa violenta evacuação não se revelou, no entanto, no tratamento posterior dispensado aos despejados, embora a decisão da 7ª Vara Cível houvesse determinado que a Prefeitura tivesse que realocar todas as pessoas com os seus bens.
Muitos não tiveram tempo de recolher os seus pertences. Deixaram o prédio com a roupa do corpo. A proprietária Lorena, eleita síndica duas semanas antes do despejo, só conseguiu salvar suas cinco gatas, a guitarra e um notebook. Ficaram para trás, no prédio lacrado com tijolos de concreto, as roupas, os móveis e os livros da estudante de Geografia da Uff.
Desde a sexta-feira do despejo, pelo menos 60 pessoas ainda vivem sem paradeiro fixo. Parte tem dormido ao relento e tem sido vítima de truculentas abordagens policiais e da Guarda. Dezenas de famílias ainda não conseguiram obter o aluguel social.
Uma rede de psicólogos escuta os despejados, bastante deprimidos. Uma médica voluntária também os visita. Advogados de movimentos de direitos humanos os assistem. O MTST compartilha experiência de luta. Parlamentares do PSOL pressionam a Prefeitura para que esta acolha as demandas dos despejados. Pois é, o prefeito tem se negado ao diálogo.
Pelo menos parece infinita a solidariedade que une, protege e caracteriza como comunidade os despejados do Prédio da Caixa e os blinda diante dos olhares de desprezo, preconceito e medo que estão acostumados a receber de certa gente que se considera “de bem”, mas que desconhece o que há de humano nos despejados e os classifica como “bandidos” ou como “lixo social” a ser removido de áreas nobres como o Centro da cidade.
Nesta segunda, 8/7, os despejados realizaram mais um ato de protesto. Fecharam metade da pista da Amaral Peixoto, em frente ao prédio, e seguiram em caminhada até o Ministério Público, onde conseguiram ser recebidos pelo promotor do caso, Luciano Mattos. Este assumiu o compromisso de atuar em favor de uma decisão judicial que autorize a abertura do prédio com vistas ao acesso dos moradores a seus pertences prioritários e a uma vistoria técnica a ser realizada pelo Crea-RJ e pelo Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanísticos (Nephu) da Uff, que, em parceria com as escolas de Serviço Social e de Geografia, desenvolve um projeto de requalificação do prédio. O projeto vai prever reforma e regularização fundiária. Esse projeto não interessa à especulação imobiliária e por isso envolve uma disputa em correlação bastante desigual de forças. Nada que deva surpreender ninguém, já que estamos em Niterói, cidade campeã nacional em desigualdade racial, segundo pesquisa recente do jornal Nexo. Mas, como diria o Brecht, nada deve parecer natural, nem impossível de mudar.
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*Paula Máiran é jornalista e chefe de gabinete do vereador Renatinho do PSOL, presidente da Comissão de Direitos Humanos, da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal de Niterói