A recente prisão do prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, submete a cidade a um estado de crise político-jurídico-administrativa sem precedentes. Embora consideremos arbitrária essa prisão — por não haver ainda a apresentação de provas conclusivas, de flagrante ou de condenação — defendemos, no entanto, a aprovação imediata de uma investigação parlamentar ampla e profunda da denúncia apresentada contra o prefeito pelo Ministério Público estadual e acolhida pela Justiça. A denúncia reúne, afinal, indícios fortes da participação de Rodrigo Neves e de outras autoridades e empresários em um esquema no setor dos transportes de pagamento de propinas referentes a 20% do total dos repasses correspondentes ao valor das passagens concedidas gratuitamente a estudantes, pessoas com deficiência e idosos.
A denúncia do Ministério Público converge, inclusive, para as denúncias que o PSOL Niterói tem feito na última década sobre a existência de um cartel mafioso de empresas que, com a cumplicidade das autoridades municipais, cobra caro e oferece transporte público de qualidade precária em Niterói.
Nesse sentido, o PSOL Niterói repudia a posição da maioria governista da bancada parlamentar municipal que embarreirou, na semana passada, o pedido apresentado por nosso presidente, o advogado Thiago Melo, de instalação de uma Comissão Processante na Câmara Municipal da cidade para apurar as denúncias que pesam contra o prefeito. O pedido do PSOL teve caráter bastante distinto daqueles que foram apresentados pelas organizações de extrema direita MBL e Advogados Livres. Estas organizações tinham o propósito de uma condenação prévia do prefeito, com o fito de providenciar o impeachment e assim antecipar as eleições municipais. Já o PSOL pretendeu de fato avançar na investigação para além das delações e prints de WhatsApp constantes na denúncia do MP e cruzar esses dados com as informações do relatório da CPI dos ônibus de 2013, assinado pelo então vereador do PSOL Henrique Vieira, que já denunciava a existência de um cartel das empresas de ônibus, fraudes nas licitações e caixa dois, mas foi ignorado pelo governo.
Como a bancada governista decidiu apensar os três pedidos, diante da necessidade de posicionamento imediato em plenário, consideramos legítimas ambas as posições expressas nos votos em separado dos vereadores do PSOL Niterói Paulo Eduardo Gomes e Talíria Petrone. Paulo Eduardo considerou a importância de aprovar a instalação de uma Comissão Processante e seguir na luta para que esta contemplasse as condições propostas pelo nosso partido. Talíria Petrone considerou melhor se abster da votação, junto de seu pedido de instalação de uma nova CPI, como forma de tentar impedir eventual confusão entre os propósitos de nossa iniciativa e as originárias dos setores reacionários. Reivindicamos a imediata aprovação e início desta CPI para uma investigação na qual seja resguardado o amplo direito à defesa dos acusados.
Nós do PSOL Niterói jamais titubeamos na defesa da democracia frente às ameaças autoritárias de projetos neofascistas de poder e de um judiciário que por vezes atropela as garantias individuais para saciar a sanha punitivista. Foi nesse sentido que nos posicionamos contra o impeachment de Dilma Roussef. Não podemos, no entanto, considerar semelhantes as situações de Dilma e Rodrigo Neves. Dilma foi acusada de "pedaladas fiscais", de violar desse modo a Lei de Responsabilidade Fiscal, norma que estrutura o neoliberalismo no Brasil e que, por esse motivo, não reivindicamos. O prefeito é acusado de receber propina de empresários de ônibus que formam um cartel que explora o transporte público e opera um esquema típico de máfia. Contra ele, que foi secretário do ex-prefeito Jorge Roberto e do governador Sérgio Cabral, foi do PT e de forma oportunista e eleitoreira se reelegeu pelo PV em 2016, depois tendo ido em seguida para o PDT, pesam ainda outras graves acusações de corrupção entre as quais uma de superfaturamento das obras da Transoceânica e outra de caixa 2 na campanha realizada pela empresa Prole, de comunicação.
Não deixamos de apontar que a prisão de Rodrigo Neves se deu no âmbito de uma operação, a Lava Jato, marcada pela seletividade dos critérios, pelo cerceamento dos direitos de defesa e pela banalização das prisões provisórias. É inaceitável, por exemplo, que Rodrigo Neves ainda não tenha sido ouvido pelo Judiciário desde a sua prisão, em prejuízo da garantia constitucional à ampla defesa.
Se somos contrários à prisão preventiva de Rodrigo Neves, consideramos fundamental, porém, que ele seja investigado pelos indícios contundentes dos crimes de peculato, corrupção ativa e passiva. Em sua delação, Marcelo Traça, empresário do setor rodoviário e dirigente importante do segmento (Fetranspor e Setrerj), além de ter incriminado a cúpula do MDB do Rio, descreveu com coerência e detalhes a dinâmica da corrupção no setor de transportes e a participação do prefeito nesse esquema, por meio de seu preposto Domício Mascarenhas, que ocupou diversos cargos em seu governo.
Nos últimos 13 anos, desde a fundação do PSOL, nosso partido tem cumprido um papel histórico de oposição aos governos e de fiscalização do poder público municipal, de cobrança por transparência e de denúncia dos desvios e irregularidades dos governantes. Desse modo, compreendemos que tais desvios e irregularidades derivam de um modelo estrutural de gestão pública que precisa ser radicalmente transformado.
Entendemos a apuração da denúncia e a responsabilização das autoridades e empresários envolvidos não como ponto final, mas como ponto de partida para uma reforma profunda do sistema de transportes da cidade.
Por tudo isso, o PSOL Niterói continuará a lutar para que a nova CPI dos Transportes seja instalada na Câmara e vá além da identificação e busca da responsabilização dos envolvidos nos esquemas das empresas de ônibus, com a devida identificação do que precisa ser transformado no modelo de gestão das políticas públicas de transportes da nossa cidade. Vamos às ruas reivindicar a redução imediata do valor das tarifas; o cancelamento dos contratos e realização de processos licitatórios em novos parâmetros; a implementação do Passe Livre Universitário; a aprovação do nosso pedido de CPI; a devolução da verba desviada pelo esquema e a criação de uma empresa pública de transportes. Reafirmamos, sobretudo, o nosso compromisso histórico em defesa da democracia e dos direitos sociais, de luta pelo fim da máfia dos transportes e em defesa de uma gestão pública ética, transparente e compromissada com o transporte público, universal e de qualidade.
Diretório Municipal do PSOL Niterói
Niterói, 19 de dezembro de 2018